Um coração para o
homem de lata, um cérebro para o espantalho, coragem para o leão e um lar para
Dorothy. Esta é a busca dos personagens de O mágico de Oz, um musical clássico
de 1939. A maioria dos fãs compra a versão de que é uma história típica de
Hollywood com final feliz. Poderia ser se não tivesse Yip Harpurg como
letrista.
Yip escreveu também o “hino da depressão”, em 1932, no qual
narra o engodo do sonho capitalista. O Mágico de Oz resgata o sonho, realizável
além do arco-íris, ou das fantasias do mundo imperialista que Yip, socialista,
sempre combateu.
Do palco para a
depressão
Posso imaginar o letrista Yip Harburg em um bar freqüentado
por roteiristas, artistas, compositores da Broadway, logo após a quebra da
Bolsa de Nova York em 1929. Os pedintes nas esquinas o deixam indignado. Também
inspiram.
Yip começa então a rabiscar num guardanapo a letra da música
que se tornaria o verdadeiro hino da depressão norte-americana. Um gole na
bebida e um verso: ““Eles me diziam que eu estava construindo um sonho”. Outro
gole, novo verso: “Com paz e glória à minha espera”. Engole a seco, conclui a
quadra: “Por que então estou aqui na fila/ esperando apenas por um pedaço de
pão?”
O título da canção “Brother, can you spare a dime?” pode ser
traduzido por “Amigo, você tem um trocado?”. Bing Crosby gravou em 1932 --
muitos outros famosos regravam até hoje -- e foi um retumbante sucesso.
A música expõe a realidade estúpida do operário --
personagem da letra -- que construiu tudo o que constitui o “american way of
life”, de ferrovias a mansões, grandes torres e edifícios, mas não tem um
tostão no bolso e fica na esquina, espiando a pressa dos ricos na tentativa vã
de ser ouvido na sua pobreza.
Da depressão para a
guerra
O tempo passa, chega 1939. O mundo se confronta com a
guerra. Yip cria o Mágico de Oz. Dorothy, o leão, o espantalho e o homem de
lata metaforizam o drama e transformam a história em uma fábula universal.
A canção-tema, “Somewhere over the rainbow”, gravada por
Judy Garland, resgata o sonho, não o capitalista, mas o dos direitos humanos,
que Yip persegue como bom socialista. O tema principal? Voltar para casa, um
espaço onde somos aceitos, compreendidos e amados!
Voltar para casa também é chegar a um lugar além do
arco-íris, diz a letra, e esse lugar não tem nada a ver com o tal pote de ouro
do folclore popular. Também não tem relação com posse ou poder, conforme
explica o medroso leão, na cena em que assume por breves momentos o posto de
rei dos animais: “A diferença entre um rei e um escravo é a coragem”. Logo a
coragem o abandona e ele rasteja diante do mágico no trono.
Da Broadway para a
lista negra
Yip Harburg, filhos de pais imigrantes de origem
russo-judaico, conheceu cedo na pele a pobreza e o preconceito e nunca virou as
costas ao passado miserável.
Ao longo da carreira, escreveu letras para mais de 600
canções em parceria com uma variedade de notáveis compositores.
De 1951 a 1961, durante a temporada de caça a artistas,
celebridades e jornalistas supostamente remota ou completamente ligados a
comunistas, promovida pelo Senador Joseph McCarthy, Yip foi para a "lista
negra" em função de suas idéias políticas sobre cinema, televisão e rádio.
A Broadway, no entanto, manteve-se livre desse tipo de censura, só por isso o
autor pôde continuar trabalhando, embora perseguido.
De Hollywood para o
Havaí
Yip Harburg morreu em 5 de março de 1981 aos 84 anos. Seu
espírito visionário não morreu, muito menos sua obra, que continua inspirando
ativistas de todo o tipo, como Israel Kamakawiwo.
Nascido em Honolulu, Israel nunca ocultou a sua posição a
favor da independência do Havaí e de defesa dos direitos dos nativos. Regravou “somewhere over the
rainbow” em um mix com “What a wonderful World”.
O cenário, o humor e o ritmo são outros; o sonho, não sei,
mas gosto de pensar que continue sendo o mesmo sonho de Yip.
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