terça-feira, 6 de agosto de 2013



"O DESTINO NÃO ME DEVOLVE O QUE PERDI, POR ISSO SIGO EM FRENTE, SEM LAMENTAR NADA." (Cleyde Yáconis)

Por Christiane Brito


A atriz Cleyde Yáconis foi casada durante onze anos com o ator Stênio Garcia, até 1969, quando ele a deixou para viver com outra. Um bilhete feito às pressas sacramentou a separação, que jamais foi discutida. A ausência de confronto, longe de ser frustrante como alguns devem pensar, foi o caminho que Cleyde preferiu trilhar. Entrevistei a atriz na sua chácara, em Jordanésia (SP), numa tarde ensolarada. Depois de falarmos de amor, ela me levou para conhecer seu pomar, repleto de frutas das quais eu nunca ouvi falar, inclusive estrangeiras, como uma tal de "lixia", chinesa, disse-me. Saí de lá com um saquinho de jabuticabas colhidas no pé e com gosto de flor na boca: ela me fez mastigar pétalas de "chaga de Cristo". Curiosa metáfora. Com as "chagas de Cristo", contou-me, ela prepara uma salada de sabor exótico. As suas próprias chagas ela também soube transformar em alimento para a alma, uma alma sólida, amável. Saí de lá acolhida e encantada.

TRABALHAR COM AS MÃOS É A MINHA TERAPIA. AJUDA
AS FERIDAS A CICATRIZAREM MAIS DEPRESSA.

"Casei só no civil. Minha irmã Cacilda Becker e o marido dela, o Walmor Chagas, foram os padrinhos. Mal acabou a cerimônia, fomos para o ensaio da peça que estávamos fazendo juntos. Eu não usaria as palavras 'grande amor' para definir meu relacionamento, porque na verdade sempre considerei o companheirismo como principal alicerce de um casamento. Mesmas ideias, ideais, isso é que vale.

Mais do que duas pessoas se amarem, o importante é que elas compartilhem um mesmo amor na vida, porque só o companheirismo perdura quando o tesão muda.
Eu sempre pensei que o meu casamento fosse durar. Porque tínhamos as mesmas metas de vida. Nunca foi uma ligação de dependência, nunca tive ciúmes, aliás, nem sei o que é isso. Nunca controlei horário, confiava mesmo. Se ele chegasse 5 horas da madrugada, nem me ocorria perguntar onde ele havia ido.

Cada um tinha um carro, eu adorava aquela independência. E cheguei a prometer pra ele que, se algum dia eu me interessasse por outro, ele iria ficar sabendo antes do próprio. Achava que havíamos descoberto uma fórmula de boa convivência, por isso me espantei ao saber que, antes da mulher com quem ele foi morar, o Stênio já havia tido outros casos.

No dia em que ele saiu de casa, eu estava no hospital, ao lado da Cacilda, que enfrentava um aneurisma. A doença repentina dela já havia sido um choque emocional tão forte que neutralizou o golpe do bilhete de adeus.

QUANDO ELE ME DEIXOU HAVIA TANTAS COISAS FUNDAMENTAIS
PARA EU CUIDAR QUE O ROMPIMENTO FICOU EM SEGUNDO PLANO.

Nem pensei em procurá-lo para discutirmos nada. Liguei para o meu advogado e pedi que encaminhasse a papelada da separação. Arrumei tudo que ele tinha em casa e deixei na portaria da TV Excelsior, onde ele trabalhava.

Nunca conversamos. Minha irmã estava morrendo e aquilo pra mim era mais importante que tudo. Eu raciocinava que o homem que tinha assinado aquele bilhete era um desconhecido e não o companheiro que eu supunha ter do meu lado. Enterrei a Cacilda e também aquela pessoa que tinha vivido comigo onze anos.
Hoje, eu olho o Stênio na TV e nem tenho lembrança de que fomos casados. Não há nenhuma familiaridade. É um estranho absoluto.

Quando ele me deixou havia tantas coisas fundamentais para eu cuidar que o rompimento ficou em segundo plano. Vendi a nossa casa em um dia, botei os móveis na rua, leiloei, me livrei de tudo. Um mês depois nos reencontramos diante do advogado.

Ele quis conversar, me neguei. Não estava interessada nas suas explicações. Fui morar com minha mãe, que estava precisando muito de mim. Ela, que adorava o Stênio, me deu todo apoio. Tinha uma generosidade infinita, era incapaz de nutrir ódio ou ressentimento, nem por meu pai. Ele também nos deixou quando eu tinha 4 anos. Mas nós o amávamos assim mesmo.

Acho que essa facilidade de perdoar deve ser genética. Posso ficar furiosa com alguma coisa, mas o sentimento não chega a virar ódio ou rancor, simplesmente termina. Não tenho desejo de mal pra ninguém.

Eu estava com 40 anos quando me separei e nunca mais tive vontade de namorar alguém. Minha vida afetiva acabou. Escolhi conscientemente ficar sozinha. Se alguém se interessou por mim, eu não percebi, não dava chance para ninguém se aproximar. Canalizei meu tesão para o trabalho. E posso dizer que me realizei.
Na minha vida não há rotina, porque rotina é tudo o que você faz displicentemente, mecanicamente. Comigo é diferente. Faço tudo como se fosse a primeira ou última vez, a vida ganha sabor. Cada dia meu tem ânimo diferente, o cotidiano flui gostoso, vivo. Foram assim os quinze anos que passei ao lado da minha mãe, até ela morrer.

CLARO QUE EU SEI COMO É BOM ESTENDER O BRAÇO E TER ALGUÉM
QUERIDO DO LADO, NA CAMA, MAS POSSO SOBREVIVER SEM ISSO.

Acho que casamento é uma coisa legal, só que foi uma experiência que esgotei na minha vida. Eu queria ficar só mesmo. Tenho ligação umbilical com a terra, por isso sou tão feliz aqui nessa pequena chácara. Tenho as mãos calejadas, gosto de bicho, converso com planta, animal, comigo mesma, rezo alto. Tenho um infindável colóquio astral com Deus. Faço trabalhos manuais, preencho minhas horas com atividades muito diferentes. Tenho caseiro, mas não tenho empregado dentro de casa, faço de tudo, comida, arrumação, potes de geleia.

Adoro estrada, adoro dirigir. Quando não tenho nada pra fazer, coloco o 'Felipe' (cachorro que ela ganhou da atriz Bel Kutner, filha do também ator Paulo José) no carro e saio por aí, vou a São Roque, Roselândia. Levo vida de interior, com vizinho que troca fruta, verdura. Sou caipira, nasci em Pirassununga (SP), nunca curti a noite, como os meus colegas de profissão. Sou introspectiva, tenho amizades de quase cinqüenta anos, mas são poucas e bem escolhidas.

Não abro minha intimidade a qualquer um. Assim, eu sou feliz, apesar de tantas perdas, reviravoltas que já enfrentei.

Perdi minha mãe cedo, e era muito apegada a ela, mulher excepcional mesmo. Aí minha irmã ficou viúva e resolveu vir morar comigo. Pensei que ia ter uma velhice tranqüila, acompanhada, mas minha irmã adoeceu e morreu repentinamente, em 40 dias. Tive de reestruturar toda a minha vida novamente.

PARA SUPERAR PERDAS, A GENTE TEM DE IR ATRÁS DO QUE
NOS FAÇA BEM, É BUSCAR O QUE AGRADE À ALMA.

Isso é o que me segura, o prazer de cada dia nesse mundo que escolhi para viver, em contato íntimo com a natureza. A dor faz desaparecer o medo da morte, porque afinal a morte soa como descanso, esperança de algo melhor. Lamentação não combina com meu temperamento. O Felipe, por exemplo, a Bel Kutner me deu para substituir a minha cadelinha, que havia morrido e eu adorava. Claro que uma coisa não substitui outra. O destino não me devolve o que perdi, por isso sigo em frente.

Tenho essa facilidade de desfrutar enorme prazer com as coisas do cotidiano, especialmente aqui, no campo. Acompanho as estações, o tempo de cada árvore frutificar, aí acordo mais cedo pra ver, adoro comer fruta no pé, tenho canteiro de flores, adoro ver muda brotar.

A DOR PODE MELHORAR OU PIORAR UMA PESSOA.

Não me sinto injustiçada, não sou triste, vivo muito meu mundo interior, tenho muita serenidade. Fui criada por uma mulher de enorme força espiritual, ela dizia que mão não pode ficar parada, repousando no colo, tem que estar em atividade. Foi uma grande lição, pra toda vida. Trabalhar com as mãos é a minha terapia, ajuda as feridas a cicatrizarem mais depressa."


(Do livro "Para esquecer um grande amor", de Christiane Brito - fase final de produção - 2013)

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