Um blog para quem gosta de ler, lembrar, contar e inventar histórias. Para o público maduro de todas as idades. Também para os jovens com mais de 85 anos. Para quem sabe que a vida é mais do que esgotar as forças cumprindo tarefas. Para quem vive de afetos e não de aparências, num tempo em que o trabalho e as ideias jamais se aposentem. Nem se ausentem flutuando entre o passado e o futuro, mas se aquietem nas memórias, percepções, degustações do presente.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
MEU MARIDO É FEIO E AINDA ASSIM O AMO
“Meu marido é feio e ainda assim eu o amo.” Com essa declaração, a expert em assuntos do coração, Helenice, tentou consolar um homem complexado com a aparência.
Helenice foi o pseudônimo que Vinícius de Moraes adotou quando assumiu uma seção de consultoria sentimental no “Flan”, sofisticado semanário editado pelo grupo Última Hora, de Samuel Wainer. Vinícius estava precisando de dinheiro, por isso procurou um emprego com o amigo.
No dia 12 de abril de 1953, o jornalista diletante estreou na função, apresentando-se aos leitores: “Eu venho também de grandes sofrimentos e amarguras. O mundo das sombras do espírito e das doenças da alma não tem segredos para mim.”
O tom parecia sincero, mas os amigos, que conheciam a verdadeira identidade do autor do desabafo, acharam que aquilo era pura ironia. Será? A verdade é que Vinícius lutou para manter viva uma imagem poética, sedutora, de homem galante, seguro, feliz, e pagou um preço caro por isso. Divertiu-se muito, mas, à medida que envelhecia, cada vez mais precisava do “cão engarrafado” para compor seu personagem. A perspectiva de encontrar a musa, que o moveu em cada dia da charmosa existência, tornou-se insatisfatória no final. Ou porque ele descobriu que a musa não existia de verdade, ou porque cansou, ou porque, num último esforço de poeta, identificou-a romanticamente com a morte: uma dama gélida, misteriosa e atraente.
Na sua breve carreira de conselheiro sentimental, Vinícius assinou respostas secas, sarcásticas e maliciosas, a ponto de o diretor da publicação, Joel Silveira, argumentar que a seção não devia mais se chamar “abra seu coração”, e, sim, “abra suas pernas”.
Vinícius foi substituído por Nelson Rodrigues, o que não deve ter aliviado a carga erótica dos conselhos, mas a troca serviu para devolver Vinícius ao papel que mais apreciava: o de “bon vivant”. Ele partiu para uma temporada em Paris, esquecido de Helenice e de seus conselhos extravagantes, afinal, de que servem os conselhos na vida de um homem que prefere sentir primeiro e pensar depois?
(Trecho do Capítulo 1 do livro “Para esquecer um grande amor – 10 Receitas testadas e Aprovadas”, de Christiane Marcondes Alves de Brito)
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