domingo, 17 de agosto de 2014

CONHECER UMA MULHER



Sou eu apenas ou será que todo mundo já teve essa experiência de, um dia, adentrar um livro como quem pousa os pés num santuário proibido, que extasia tanto quanto esgota as forças? Então a leitura se torna tensa, urgente como se a vida pudesse esperar a vez, pacientemente ao lado da cama ou da poltrona, até ser retomada.

Geralmente, não são livros com histórias cheias de ação, como as narrativas mais apreciadas. São páginas que desvelam camadas de nós, leitores, e não dos personagens. Porque se trata de uma grande alquimia em que não o enredo, mas o leitor é que se transforma, chegando a um final inesperado. Que independe dos poucos (ou muitos) fatos apresentados, mas de um conhecimento que se apropria de nós. Ou nós é que nos apropriamos dele. Não sei bem.

Só sei que sempre busquei escrever melhor, até por força da profissão. Nunca supus que o fundamental fosse ler cada vez melhor. E ler no sentido amplo de conhecer. Conhecer nós mesmos, conhecer o próximo, conhecer o estranho que vive na proximidade.

Tudo isso nos levará ao bom da vida. Eu me atrevo a selecionar três trechos de um livro que merece ser lido, porque certamente pode proporcionar essa experiência mística do desvendar da alma.

O primeiro trecho é da página 128, quando eu comecei a compreender no que estava me metendo. Precisa ter paciência, vale a pena.

O terceiro trecho está na página 195, a trinta páginas do final do livro, que ainda não li. Vou deixar para o momento em que me deitar como quem deixa por último o mais gostoso bombom da caixa.

Não me sinto confortável ao revelar o que a capa de um livro esconde, principalmente porque estou oferecendo uma pálida amostra do que, no meu entender, é um formidável espetáculo para os sentidos. Como posso ter certeza de que estou certa? Não estou. Aliás, o protagonista, quando começa a ler e a gostar de poesia, faz o mesmo questionamento: “Como poderei ter certeza de que o que estou entendendo é o que o poeta está querendo dizer?”
Para quem consegue viver com as incertezas, recomendo: “Conhecer uma mulher”, Amós Oz, Companhia das Letras,

A busca

“Diga, você se lembra, filha, o que Vitkin costumava dizer para você quando vinha à nossa casa tocar violão ao entardecer? Você se lembra das palavras dele: ele dizia: vim procurar sinais de vida. Eu também cheguei a isso. É o que estou procurando agora. Mas não há pressa. Amanhã é outro dia. Tenho vontade de ficar em casa e não fazer nada por mais alguns meses. Ou anos. Ou para sempre. Até que eu consiga perceber o que está acontecendo. O que é que tem? Ou me convencer pessoalmente, pela experiência, que é impossível descobrir qualquer coisa. Que seja. Veremos.”

(Pág. 128)

A falta

“Você é um cara inteligente, perspicaz até, um cara legal. Não tem dúvida. Direito como uma tábua. Um cara cem por cento. Mas o problema é que te faltam três coisas muito sérias: primeiro, desejo. Segundo, alegria. Terceiro, pena. Se você me perguntar, Capitão, estas três coisas vêm juntas, num só pacote. Digamos, se falta o número dois, então também faltam o um e o três. A tua situação é trágica.”

(Pág.161)

O encontro

“Lentamente começou a confiar nela e a revelar-lhe quais eram suas fraquezas. Pediu a ela prazeres físicos secretos, os quais, durante todos os anos, teve muito embaraço em pedir à esposa, e muita delicadeza para impô-los a mulheres passageiras. Annemarie, de olhos fechados, se concentrava. Captava cada som e cada nota. Submetia-se e tocava para ele melodias pelas quais ele própria não sabia o quanto ansiava que ela tocasse. Às vezes, ela parecia não estar fazendo amor com ele, mas concebendo-o e dando à luz”

(Pág. 195)