Sou
eu apenas ou será que todo mundo já teve essa experiência de, um dia, adentrar
um livro como quem pousa os pés num santuário proibido, que extasia tanto
quanto esgota as forças? Então a leitura se torna tensa, urgente como se a vida
pudesse esperar a vez, pacientemente ao lado da cama ou da poltrona, até ser
retomada.
Geralmente,
não são livros com histórias cheias de ação, como as narrativas mais apreciadas.
São páginas que desvelam camadas de nós, leitores, e não dos personagens.
Porque se trata de uma grande alquimia em que não o enredo, mas o leitor é que
se transforma, chegando a um final inesperado. Que independe dos poucos (ou
muitos) fatos apresentados, mas de um conhecimento que se apropria de nós. Ou
nós é que nos apropriamos dele. Não sei bem.
Só
sei que sempre busquei escrever melhor, até por força da profissão. Nunca supus
que o fundamental fosse ler cada vez melhor. E ler no sentido amplo de conhecer.
Conhecer nós mesmos, conhecer o próximo, conhecer o estranho que vive na
proximidade.
Tudo
isso nos levará ao bom da vida. Eu me atrevo a selecionar três trechos de um
livro que merece ser lido, porque certamente pode proporcionar essa experiência
mística do desvendar da alma.
O
primeiro trecho é da página 128, quando eu comecei a compreender no que estava
me metendo. Precisa ter paciência, vale a pena.
O
terceiro trecho está na página 195, a trinta páginas do final do livro, que
ainda não li. Vou deixar para o momento em que me deitar como quem deixa por
último o mais gostoso bombom da caixa.
Não
me sinto confortável ao revelar o que a capa de um livro esconde, principalmente
porque estou oferecendo uma pálida amostra do que, no meu entender, é um
formidável espetáculo para os sentidos. Como posso ter certeza de que estou
certa? Não estou. Aliás, o protagonista, quando começa a ler e a gostar de poesia,
faz o mesmo questionamento: “Como poderei ter certeza de que o que estou
entendendo é o que o poeta está querendo dizer?”
Para
quem consegue viver com as incertezas, recomendo: “Conhecer
uma mulher”, Amós Oz, Companhia das Letras,
A busca
“Diga,
você se lembra, filha, o que Vitkin costumava dizer para você quando vinha à
nossa casa tocar violão ao entardecer? Você se lembra das palavras dele: ele
dizia: vim procurar sinais de vida. Eu também cheguei a isso. É o que estou
procurando agora. Mas não há pressa. Amanhã é outro dia. Tenho vontade de ficar
em casa e não fazer nada por mais alguns meses. Ou anos. Ou para sempre. Até
que eu consiga perceber o que está acontecendo. O que é que tem? Ou me
convencer pessoalmente, pela experiência, que é impossível descobrir qualquer
coisa. Que seja. Veremos.”
(Pág.
128)
A falta
“Você
é um cara inteligente, perspicaz até, um cara legal. Não tem dúvida. Direito
como uma tábua. Um cara cem por cento. Mas o problema é que te faltam três
coisas muito sérias: primeiro, desejo. Segundo, alegria. Terceiro, pena. Se
você me perguntar, Capitão, estas três coisas vêm juntas, num só pacote.
Digamos, se falta o número dois, então também faltam o um e o três. A tua
situação é trágica.”
(Pág.161)
O encontro
“Lentamente
começou a confiar nela e a revelar-lhe quais eram suas fraquezas. Pediu a ela
prazeres físicos secretos, os quais, durante todos os anos, teve muito embaraço
em pedir à esposa, e muita delicadeza para impô-los a mulheres passageiras.
Annemarie, de olhos fechados, se concentrava. Captava cada som e cada nota.
Submetia-se e tocava para ele melodias pelas quais ele própria não sabia o
quanto ansiava que ela tocasse. Às vezes, ela parecia não estar fazendo amor
com ele, mas concebendo-o e dando à luz”
(Pág.
195)