O despertador
nem tocou ele já tinha pulado da cama. Olhou lascivo para a loira na
parede do escritório. Como se não visse aquela barriga mole de chope, a
falha de cabelo no alto da cabeça e um
dente molar ausente na arcada amarela de nicotina, sentiu-se o mais
irresistível dos homens diante do espelho do banheiro. A esposa que madrugara
arrumando café e despachando menino pra escola estranhou encontrar o marido
já no banho tão cedo. E de ótimo humor, como pôde constatar mais tarde. Um
ardente beijo de despedida deixou a mulher ainda mais desconfiada o resto do
dia. Que bicho tinha mordido o homem resmungão com que se casara?
Consultando o
relógio, ele constatou que chegaria com tempo de folga. Queria ficar bem
colocado no saguão, pra ver de camarote. Só não contava com um congestionamento
recorde, absolutamente incomum, no caminho. Roeu todas as unhas e andou
quilômetros pelo corredor do ônibus, num vai-e-vem frenético limiar do
desespero. Quando finalmente desceu no ponto de seu destino, disparou em
direção ao prédio. Aonde chegou bem a tempo de ver uma limusine saindo cercada
de enorme multidão. Avistou Denílson, o filho da mãe sortudo, no meio. O amigo
confirmou sua suspeita: Sharon Stone já havia ido embora. Durante a
meia hora em que ficara no prédio alimentou incontáveis fantasias nos marmanjos
de plantão. Tinha quem jurasse que cruzara com ela na porta do toalete e que
ela lhe enviara um sexy beijo. Chegaram, alguns, a dizer que tinham ganho
souvenirs da deusa. E todos foram unânimes: era mais bonita ao vivo que no
cinema.
O inconsolável
homem que não viu nada vestiu sua capa branca e foi se acomodar na cadeira
manca do laboratório, conformado com mais um dia de muito trabalho. Nessa hora,
entra Denílson com uma latinha. “Adivinha o que eu tenho aqui?” E o que poderia
ser, imbecil, se estava numa latinha e aquilo era um laboratório de análises
clínicas? “As fezes da Sharon Stone”, e o amigo anunciou empolgado que ele fora
o contemplado da sorte: ia processar o exame da loira diabólica. O homem sorriu
amarelo, com ar de dúvida. Seria tão vantajoso assim? Só teve certeza de que
estava pagando um mico quando abriu a lata, aspirou o odor e uma náusea o fez
ver que, afinal, Sharon Stone não era tão especial assim. Ela fedia como todas
as outras. “Lembre-me de jogar fora aquele pôster de ´Instinto Selvagem´ do
escritório”, pediu à esposa, por telefone, já reencarnado no marido resmungão e
entediado.
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