terça-feira, 6 de agosto de 2013

SHARON E EU





O despertador nem tocou ele já  tinha pulado da cama. Olhou lascivo para a loira na parede do escritório. Como se não visse aquela barriga mole de chope, a falha  de cabelo no alto da cabeça e um dente molar ausente na arcada amarela de nicotina, sentiu-se o mais irresistível dos homens diante do espelho do banheiro. A esposa que madrugara arrumando café e despachando menino pra escola estranhou encontrar o marido já  no banho tão cedo. E de ótimo humor, como pôde constatar mais tarde. Um ardente beijo de despedida deixou a mulher ainda mais desconfiada o resto do dia. Que bicho tinha mordido o homem resmungão com que se casara? 

Consultando o relógio, ele constatou que chegaria com tempo de folga. Queria ficar bem colocado no saguão, pra ver de camarote. Só não contava com um congestionamento recorde, absolutamente incomum, no caminho. Roeu todas as unhas e andou quilômetros pelo corredor do ônibus, num vai-e-vem frenético limiar do desespero. Quando finalmente desceu no ponto de seu destino, disparou em direção ao prédio. Aonde chegou bem a tempo de ver uma limusine saindo cercada de enorme multidão. Avistou Denílson, o filho da mãe sortudo, no meio. O amigo confirmou sua suspeita: Sharon Stone já  havia ido embora. Durante a meia hora em que ficara no prédio alimentou incontáveis fantasias nos marmanjos de plantão. Tinha quem jurasse que cruzara com ela na porta do toalete e que ela lhe enviara um sexy beijo. Chegaram, alguns, a dizer que tinham ganho souvenirs da deusa. E todos foram unânimes: era mais bonita ao vivo que no cinema. 

O inconsolável homem que não viu nada vestiu sua capa branca e foi se acomodar na cadeira manca do laboratório, conformado com mais um dia de muito trabalho. Nessa hora, entra Denílson com uma latinha. “Adivinha o que eu tenho aqui?” E o que poderia ser, imbecil, se estava numa latinha e aquilo era um laboratório de análises clínicas? “As fezes da Sharon Stone”, e o amigo anunciou empolgado que ele fora o contemplado da sorte: ia processar o exame da loira diabólica. O homem sorriu amarelo, com ar de dúvida. Seria tão vantajoso assim? Só teve certeza de que estava pagando um mico quando abriu a lata, aspirou o odor e uma náusea o fez ver que, afinal, Sharon Stone não era tão especial assim. Ela fedia como todas as outras. “Lembre-me de jogar fora aquele pôster de ´Instinto Selvagem´ do escritório”, pediu à esposa, por telefone, já reencarnado no marido resmungão e entediado.

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