domingo, 10 de agosto de 2014

MEDO DE AMAR

"Une premiere" Anders Zorn -1888

Um bando de moleques na beira do rio e um deles não sabia nadar. Como é que um menino de sete anos, de estatura baixa para a idade, com mãe morta no parto e pai que sumiu no mundo pode não acompanhar a turma em uma aventura sem ser chamado de covarde?

Uma mistura de ingenuidade com arrogância sempre dominou a criança, que chegou a deixar a vila uns três anos antes, em direção ao sul, de navio, escoltado pelo pai, o próprio. Jamais se esqueceria da cena, talvez a mais feliz de toda a sua vida, pensou no mesmo instante em que ia tirando a roupa para pular na água. A lua estava no céu e o sol se punha lentamente, espumando em cores nervosas no horizonte atarracado com o convés. Rio de Janeiro, isso mesmo, este, o destino. Desembarcaram só para, nem dois meses depois, o pai se apaixonar por uma estranha.

Obedeceu o coração e a mulher, enviando o filho de volta para o sertão junto com um conhecido. No caminho, sacolejando no ônibus que cheirava mal, o garoto comparava o por do sol...sim, o que se avistava tinha sua beleza, mas o da chegada à cidade grande tomava a maior parte da sua memória de coisas boas.

Voltou à tarefa, cueca no chão, não tinha mais desculpa, era mergulhar ou apanhar. Pulou sem uma noção precisa do que estava fazendo, talvez quisesse morrer. A correnteza o levou, tudo escureceu como lamparina que fica sem azeite no meio do mato. Recobrou os sentidos com o tranco da curva do rio, que segurou firme seu pequeno corpo como talvez a alma de mãe no céu o fizesse. Ou tenha feito.

Desenroscou-se dos galhos, detritos, escalou um pedacinho de ribanceira. Percebeu que tinha se afastado quase 500 metros do ponto em que saltara para o susto.

Tornou a se assustar quando viu que sua roupa tinha sido levada. Nu e à margem, decidiu sem opção rumar para casa, buscando sombras e beirada de muro onde se esconder. Estava bem próximo de ser bem-sucedido no esforço quando a tia gritou, chamando a atenção -- pareceu à criança -- até de quem estivesse dentro de casa no outro lado da cidade.

Recolheu-se, foi recolhido, nunca mais ensolarou até decifrar a cidade de pedra, para onde se mudou, cresceu, estudou, casou, teve filhos, netos, e cumpriu a determinação férrea de não lamentar passado. Comprometeu-se com a felicidade por decreto e pouco se desviou nem das cláusulas minúsculas no rodapé. Quando de novo submergiu nu até o pescoço não estava nem no Rio de Janeiro nem no da infância. Resgatado aos gritos pela vida, foi repreendido pela alma da mãe: “quando é que vai aprender a nadar?”

                                                                        (...)

 

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