domingo, 10 de agosto de 2014

A TENTAÇÃO DE MATUSALÉM

 

Está na Bíblia: Matusalém foi o homem mais velho a morrer nesse planeta, tinha 969 anos. Era filho de Enoque, um bom servo de Deus, que foi arrebatado aos céus, não passou pela morte. O homem mais velho do mundo inspirou um conto, “A morte de Matusalém”, de Isaac Bashevis Singer, autor  que ganhou Prêmio Nobel.
 
O conto faz uma alegoria da vida humana na Terra, das contradições da carne, mistura de desejo e amor, ética e corrupção, meias verdades e mentiras inteiras, bondade e benevolência com o mal. Aos 969 anos, Matusalém só espera pela morte no seu abafado casebre: chega Naamá, a belíssima mulher que ele deseja já, literalmente, há séculos. Ela mora na terra de Caim, que se casou com Lilith, a Eva negra, luxuriosa. Os homens na terra de Caim convivem com demônios, assim como no nosso mundo, de Adão, os homens supostamente, convivem com anjos. Da trama engraçada vem a interpretação da perfeita alegoria que é a vida do homem no mundo. Matusalém era avô de Noé, que já se empenhava na missão de construir a arca do dilúvio, porque Deus estava arrependido de sua descendência na terra, queria ter a chance de recomeçar.
 
Matusalém, depois de transar com Naamá, conhecer a terra de Caim, cheia de demônios e todas as barbaridades que, afinal, estão adormecidas dentro de cada ser humano, decidiu que só queria saber mesmo da morte honesta, estava muito velho para farras e para entender um mundo tão caótico. Pede para voltar à sua casa e amanhece morto no dia seguinte. Seus pensamentos ficam planando à volta do corpo exaurido, pronto para os vermes, ele pensa que todo castigo de Deus, como o dilúvio, é vão, porque desde o princípio carne e corrupção são uma coisa só. Por mais que os filhos de Adão tenham boas intenções, seu dom da razão é precário, as ilusões de espaço e de tempo os esvazia de propósito ou justiça.
 
 
Reprodução da obra "Lilith", de John Collier, 1887
 
 

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