segunda-feira, 11 de agosto de 2014

VIRGINIA WOOLF: A INSIDIOSA VISITA DA MORTE




Uma cobra abocanha um sapo, que fica entalado na sua garganta. A cobra é voraz, o sapo não se entrega, a cobra engasga e enjoa. O sapo agoniza.

Esta imagem real, que a escritora britânica Virginia Woolf presenciou com seu marido, Leonard, num brejo, acompanhou-a até o final da vida, tornando-se uma cena de seu último livro, Pointz Hall. Representa o imperialismo de todos os tempos, vitimando países e populações, além de culturas. E extirpa os valores humanos pela raiz a pretexto de salvar o homem.

Na época da visão da cobra e o sapo, início dos anos 1930, uma crise econômica de grandes proporções assolava a Inglaterra e o mundo capitalista. Estopim da bomba? De uma delas, são tantas, e quando finalmente nos alvejam é tarde demais. São ignorados todos os sinais de decadência de valores e de acirramento de sentimentos extremistas. A guerra é insidiosa e se entremeia ao cotidiano com suavidade tenaz, em princípio, escamoteando a realidade, sempre com a cumplicidade da mídia de velas infladas na direção de ventos e interesses a favor.

Virginia tinha seu próprio e obstinado modo de leitura do noticiário, discernindo fato de fantasia. Temia tanto a invasão nazista quanto a propaganda inglesa e sua fogosa produção de heróis. Os heróis de hoje, pensava, talvez sejam os párias de amanhã, tocando realejos para sobreviver. Sabia, por experiência, como é sinistro o destino dos veteranos de guerra.

Virginia atravessou as sombras do cotidiano em meio às cisões, “a separação entre os reinos da grandeza e da pequeneza”. Nessa gangorra de sobressaltos, as contradições se aguçavam, especialmente na alma de uma artista como Virginia. Ela então milita, revê padrões, viaja ao passado na falta de perspectivas do presente, resgata a dor que acalentou a duras penas na vivência da Primeira Guerra. Psicanalisa, conclui que o peso do sofrimento do pai, também escritor, a condenou a viver em uma estufa emocional e intelectual. Que finalmente se estilhaça na chegada dos 50 anos.

"Todas as vaidades são menos que um caramujo na Zínia", escreveu Virginia Woolf a sua irmã, Vanessa, nessa idade, redimensionando os campos e superposições da existência. Alardeou que o alheamento não é alternativa para o artista, um ser amalgamado com as paixões humanas, por isso mesmo aprofunda a sensibilidade em tempos de sofrimento. A saída é optar pelo caminho possível, que é a política. E Virginia o trilhou.

Persistiu, produziu muito, sofreu e enlutou nos anos que finalmente culminaram na guerra declarada e em uma sociedade em desordem na qual o suicídio era assunto corrente. Em 14 de junho de 1940, as tropas nazistas tomaram a cidade de Paris, acuando a escritora e toda sua esperança de livramento do desespero interior.

Em 28 de março de 1941, retomando a cobra e o sapo, que a levaram a um pesadelo em que uma pessoa se lançava ao mar, descobriu que essa pessoa era ela mesma. Mergulhou no lago com pedras nos bolsos, asfixiou-se com a água e com a genialidade que escapa a classes sociais, escolhas políticas e sobretudo à mesquinhez da raça humana. Não quis punir ninguém, deixou cartas de amor para o marido e a irmã.


“Se eu não sofresse tanto, não poderia ser feliz”

(Virginia Woolf, em seu diário)

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